Alguns julgarão
o texto pelo título. Normal. Talvez arrematem: “Mas por que atacar a direita e
não a esquerda. Isso é um desserviço!” Respondo: não, não é um desserviço,
afinal de contas, uma parcela da direita – e hoje vou me deter sobre alguns que
se autointitulam conservadores – também deu origem a uma patrulha ideológica.
A inclinação à censura e ao autoritarismo não é exclusividade da esquerda.
“Você vai acabar se indispondo com a direita”, diz um amigo. Paciência. Sei que
muitos poderão se ofender com o presente texto. Mas aviso: estou tão preocupado
com a opinião dos caricatos moralistas quanto estou preocupado com a opinião da
esquerda politicamente correta.
Calma. Se você é
conservador, mas não caricato nem agente da patrulha moralista que marcha pelas
redes sociais, conversaremos sobre o problema civilizadamente. Também aprecio
obras de conservadores de “boa estirpe”, termo sempre usado por Rodrigo
Constantino. No entanto, caso você se sentir ofendido com o termo “patrulha
moralista”, é porque você provavelmente faz parte do grupo.
Não podemos
fechar os olhos para este problema que o lado direito do espectro político tem
enfrentado. Entre um conservador saudosista que berra contra os liberais no Facebook e um marxista que se altera
contra os católicos, existe apenas uma diferença: a cor, porque o molde é o
mesmo.
O que a patrulha moralista pensa:
A patrulha moralista
pensa que o liberalismo significa a “decadência” dos valores etc. Valores dela,
talvez. O liberalismo, para o saudosista utópico, seria tão ruim quanto o
marxismo. Um agente da patrulha moralista não aceita que um liberal possa
defender o casamento gay ao mesmo tempo em que é contra o aborto; não consegue
conceber um liberal ateu que compreende o valor da tradição cristã. Para o
agente dessa patrulha, ou o ateu é militante ou deve se tornar cristão, mas
nunca frequentar a Renovação Carismática Católica, claro; para ele, ou o
sujeito é conservador moralista ou revolucionário bolchevique. Se alguém for a
favor do casamento gay, a patrulha moralista o considerará um revolucionário;
se mesmo assim este alguém compreender o valor da família tradicional, o patrulheiro
irá dizer que uma coisa anula a outra. O conservador não pode divergir de
outros conservadores, senão o selo de conservador não lhe serve mais. Mas vamos
lembrar que quem tem rótulo é garrafa e quem cabe em caixa é sapato e encomenda
dos correios.
Em suma, a
patrulha não pensa, age por paixão e ressentimento. Ou melhor, ela até pensa,
mas só pensa de acordo com os dogmas que consegue encontrar dentro de sua
caixinha minúscula e pestilenta.
O que a patrulha moralista pensa que é:
Poderíamos
resumir este tópico numa só frase: a patrulha moralista pensa que é a salvadora
da Civilização Ocidental. Mas vamos adiante. Os integrantes desse grupo de
puritanos contemporâneos pensam que vão salvar não só a civilização, mas você e
a mim; se crêem os redentores dos simples e humildes que não falam latim – mas
que deveriam aprender, lógico. A patrulha moralista pensa que é conhecedora da
verdade e que por isso, pode julgar o mundo e todos os seus habitantes que
vivem em liberdade.
Como a patrulha moralista age:
Como apontou
Antonio Pinho em seu artigo (https://www.institutoliberal.org.br/blog/redes-sociais-radicalizam-pessoas-ou-apenas-dao-voz-aos-radicais/), os caricatos “adotam duas ou três frases como axiomas incontestáveis,
e veem toda a realidade por meio desse filtro. Ai de alguém que critique esses
axiomas. ‘Só pode ser comunista’, pensa o caricato.” Essa gente atua como a
esquerda, só que com o sinal trocado. As duas patrulhas, a da esquerda e a da
direita têm em comum a característica de vigiarem “os seus”, quer dizer, se
julgam no direito de pautar o comportamento alheio. São encarnações on-line de Tomás de Torquemada
promovendo a inquisição virtual.
Particularmente,
creio que a independência seja melhor, mas é para poucos. É mais saudável não
responder pelo bando. Quem responde por si mesmo está vivo, quem evoca o bando já
está morto como sujeito. E a direita, assim como a esquerda, é formada por
seres humanos complexos e carentes como todo mundo. Por isso a falta de
resposta causa medo e terror. Quando se deparam com a indiferença do mundo
perante nossas carências, alguns ficam com a imunidade baixa e acabam
contaminados pelo vírus letal sociologicamente conhecido por “espírito de
boiada”. E é com o espírito de boiada, ainda que ela seja diminuta – graças a
Deus – que os patrulheiros puritanos agem. Atuam como censores, como os
Sherlock Holmes da vida livre. Se essa turma caricata fosse alçada ao poder
assistiríamos a fuzilamentos em nome do latim.
Quem são os integrantes da patrulha moralista. Ou: o que ela realmente
é.
A patrulha moralista
é geralmente formada por sujeitos caricatos, aquelas pessoas que, sozinhas,
gritam slogans, vêem “degeneração social” em tudo que não seja da belle époque e enxergam o símbolo
comunista até nas nuvens. São os ridículos bonecos de época, os cortesãos com Facebook. E como todos os caricatos têm
a mesma estrutura pré-moldada, se encaixam perfeitamente em pequenas caixinhas
de princípios e podem ser facilmente identificados, até mesmo pela
indumentária. Mas nenhum deles impõe respeito. Suspensórios não fazem deles intelectualmente
nem politicamente respeitáveis. São somente esses bonecos de época controlados
por meia dúzia de slogans. Isso para não falar no “povo escolhido” para
“resgatar a alta cultura” – não foram escolhidos por Deus, claro, mas por eles
mesmos, que se sentem cristos de suspensórios.
Covarde, essa
patrulha jeca nega a complexidade. Quer números exatos. Não suporta conviver
com o fardo das vírgulas e dos números quebrados. Pelo fato de o mundo ser
muito mais complexo fora da caixa, a patrulha o teme. Lá fora está a liberdade,
mas o covarde sem grupo é nulo. São medrosos e querem que os demais o sejam
também. Daí sua insistência e militância monomaníaca. Eles também podem ser
nacionalistas extremos, devotos de Enéas Carneiro. Talvez idolatrem Jair
Bolsonaro e xinguem qualquer um que discordar do “mito”. A lista é grande.
Como pusilânimes
que são, muitos deles – veja bem, não estou generalizando. Disse “muitos” – se
escondem atrás de ideias e dogmas políticos ou religiosos. Mas no caso dos
caricatos, grande parte se encobre com livros como se estes fossem mantos que
pudessem camuflar sua frouxidão. Por conseguinte, recorrem à vida intelectual
como numa espécie de fuga desesperada da realidade. Isso quando só apelam para
uma vida casta ou moralista em termos sexuais porque, em verdade, não pegam
ninguém na balada – aqui não me refiro aos castos sérios, religiosos de
verdade. Além disso, vários se refugiam entre muralhas de livros, já que esta
também pode servir como fortaleza dos loosers.
Disso resulta o pedantismo, efeito colateral da debilidade dos loosers escravos da auto-afirmação.
O caricato moralista
e pedante, quando discordar de alguém, irá citar livros e mais livros, sempre
em tom professoral e menos para enriquecer o debate do que para mostrar como é
culto. É o tipo que se envaidece vociferando contra a vaidade citando
Eclesiastes; é do estilo que fala uma frase em outro idioma porque sabe que
ninguém ao seu redor vai entender; é um poser.
O moralista é aquele que exige que os outros não façam aquilo que ele faz
no quarto trancado a sete chaves. É como costumo dizer a respeito desse problema:
se este tipo de moralismo fosse um homem, ele vestiria farda com cinta liga por
baixo. Tudo bem que alguns dos apontamentos dos caricatos possam ser
verdadeiros, mas não dá para viver no século XVI.
Desconfie dessa
gente. A patrulha moralista da direita deve ser discutida nos mesmos termos em
que discutimos a vigilância da esquerda. E apesar de a força política da
esquerda ser maior, ambas são embriões de ditaduras. Enfim, é tanta coisa que
poderia ser dita sobre essa lamentável parcela da direita que poderíamos
escrever um livro sobre o tema. O título? Ah, sim. Quem sabe pudesse ser algo
como “A salvação da cultura ocidental via suspensórios e latim”.
Publicado originalmente no Instituto Liberal.
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